O que o vale do silício, as microdoses, o LSD e a psilocibina tem em comum?
Comece desconectando seu pensamento de psilocibina/LSD = viagem. Feito isso, imagine duas substâncias com potencial terapêutico não só para tratamentos psicológicos mas também para melhora da sensação de bem estar, produtividade e criatividade. Assim, fica fácil presumir porque as microdoses estão virando as queridinhas no Vale do Silício.
“Eu não tomo café. Uso ácido”, diz Diane, 29 anos, fundadora de uma start up que aderiu ao uso de microdoses buscando uma melhora da sua produtividade. Diane começou a consumir microdoses de LSD —quantidades minúsculas, dando intervalos de alguns dias.
Ela é parte de uma nova geração de usuários de LSD que veem a substância como uma forma útil e inofensiva de melhorar suas capacidades, semelhante à meditação ou ao café.
Os novos adeptos planejam meticulosamente seu regime de uso, com doses de entre 10 e 20 microgramas a cada três dias.
Produtividade e criatividade aumentadas
Essa dosagem utilizada contém apenas um décimo do LSD necessário a uma viagem, ela diz não experimentar efeitos psicodélicos.
Em lugar de flutuar em um universo mágico e ver elefantes cor de rosa, ela diz que as micro doses aumentaram sua produtividade e criatividade, e a ajudam a manter o foco.
Sob o efeito do LSD, ela é capaz de se concentrar ao desenvolver a estratégia de sua empresa, participar com atenção das reuniões sobre experiências de uso, e de se sair muito bem na obtenção de novos contatos.
“Quando vou a eventos de networking ou happy hours depois de uma microdose, as conversas que tenho são realmente boas, porque fico mais ligada, me concentro mais no que a pessoa está dizendo. Isso cria conexões mais profundas e me propicia mais empatia, diz Diane.
“É um sinal dos tempos”, disse Diane. “O LSD é uma substância muito flexível. Amplifica o que quer que esteja acontecendo em seu cérebro. E está amplificando o que quer que esteja acontecendo em nossa sociedade. A produtividade nos obceca, e por isso usamos o ácido dessa maneira”.
Os adeptos das microdoses no Vale do Silício querem deixar para trás a notoriedade da droga e tirar vantagem do talento do setor de tecnologia na transformação de hábitos, com o objetivo de tornar o LSD tão aceitável quanto o café.
Não há muitas pesquisas sobre o uso de microdoses, e por isso eles acompanham as respostas de seus corpos e mentes à droga, submetem relatórios a pesquisadores e discutem os efeitos com os cerca de 18 mil usuários de microdoses que se comunicam via Reddit.
Paz e amor não… É foco e produtividade!
Cinquenta anos depois do Verão do Amor, a nova geração despreza os “Testes de Ácido” de seus predecessores —na metade dos anos 60, os Merry Pranksters de Ken Kesey tomavam doses imensas de LSD e misturavam a droga a chili de vitela ou a sucos industrializados.
Essa nova geração vê esse tipo de atitude como irresponsável e daninha. Afinal, estamos falando de pessoas obcecadas por aproveitar ao máximo o tempo, maníacos por organização e que adotou as máximas para uma casa enxuta de Marie Kondo e o ideal de uma caixa de entrada de e-mail com zero mensagens não respondidas. Agora, seus integrantes estão recorrendo a substâncias psicodélicas para ajudá-los nessas missões.
Em 1960, São Francisco se tornou a capital mundial do ácido. Hippies, inspirados a alterar suas consciências por ensinamentos budistas e dos indígenas americanos, escaparam completamente ao controle. Agora a cidade é o polo do movimento das microdoses, e os trabalhadores da tecnologia estão seguindo o exemplo de Steve Jobs, cofundador da Apple, que disse que LSD foi “uma das duas ou três coisas mais importantes” que fez na vida.
Embora alguns usuários façam como Jobs e consumam doses plenas, hoje em dia é cada vez mais comum que o LSD seja consumido em doses cujos efeitos são sutis, e não interferem na vida cotidiana. Diversos dos amigos de Diane aderiram às microdoses também.
Tim Ferriss, investidor em tecnologia e autor de “Four Hour Work Week”, disse em seu livro que quase todos os bilionários que conhece consomem alucinógenos regularmente.
No universo das start ups
O “Financial Times” conversou com muitos usuários de microdoses, e todos eles pediram que seus nomes reais não fossem mencionados porque o consumo de LSD é ilegal. Todos são profissionais altamente motivados e a maioria deles trabalha no setor de tecnologia.
Muitos comandam startups. Todos afirmam usar o LSD como forma de estimular sua produtividade quando estão pressionados, para promover a cascata de ideias que é esperada dos trabalhadores do conhecimento e intensificar seu foco, em um mundo repleto de distrações (a maioria das quais criadas pela tecnologia).
“Ser presidente-executivo é incrivelmente desgastante, é preciso ser mais que humano”, disse Gail, 31, fundadora de uma startup, que afirma que usar LSD a ajuda a manter a calma. “Como empreendedor, você passa o tempo todo sofrendo rejeição dos investidores. Coisas saem errado o tempo todo”, ela diz.
Já Paul, fundador de uma startup em Nova York, diz que ele e seus funcionários sentiram uma redução no estresse quando começaram a usar microdoses de LSD. Outras pessoas usam LSD para combater problemas de saúde mental como a depressão. Chantelle, 35, por exemplo, empreendedora no ramo da culinário, relutava em recorrer a antidepressivos convencionais.
Em um clube fechado em San Francisco, ela revelou, sussurrando, que sentia um nível “maravilhoso” de conscientização depois de uma microdose —”quase como se eu fosse minha própria terapeuta”. Mesmo quando passa diversas semanas sem usar microdoses, seu humor se mantém “extremamente estável”. Ela acrescentou que “mesmo quando eu tinha uma crise, durava só cinco minutos. Antes, eu teria de passar dois ou três dias sem sair da cama”.
A ressignificação do LSD, do cogumelo e da Ayahuasca
O LSD não é a única droga que está ressurgindo. Há estudos investigando a psilocibina, ingrediente ativo dos cogumelos mágicos, no alívio da ansiedade, do TDAH, da depressão e de vícios como o tabagismo. Até mesmo a Ayahuasca vem sendo resgatada pela nova geração em busca de melhoria na qualidade de vida e de percepções mais profundas.
Muitos dos usuários das microdoses encaram com desaprovação a maneira pela qual os hippies usavam o LSD. Na opinião deles, o Verão do Amor na verdade retardou a compreensão da substância, gerando preconceito e ilegalidade, tanto que poucas pesquisas sobre seus efeitos foram conduzidas desde então.
A primeira onda de substâncias psicodélicas, em sua interpretação, se relaciona ao seu uso tradicional por povos nativos, da Grécia antiga à Índia. Depois da segunda onda, nos anos 1960, esse uso foi tornado ilegal, porque a sociedade entrou em pânico diante do abuso das substâncias.
Já agora, na terceira onda, o uso de microdoses pode se tornar promissor, desfazendo os estragos causados pela geração baby boom (americanos nascidos entre 1946 e 1964) e resultando em nova legalização do uso do LSD.
Biohacking e o futuro das microdoses
Molly Maloof, jovem médica que tem muitos executivos do Vale do Silício como pacientes, diz ter observado interesse crescente em “biohacking” —a ideia de que as pessoas podem desenvolver a melhor versão possível delas mesmas por meio de uma combinação de vitaminas, exercícios e drogas. Maloof não tem direito de receitar drogas ilegais, mas aconselha os pacientes adeptos das microdoses sobre como minimizar os danos.
Ela acredita que o futuro das substâncias psicodélicas seja “brilhante” e que elas possam ser legalizadas dentro de cinco a 10 anos. “A geração hippie 2.0 está levando pessoas que estão em busca de seus propósitos e de seu maior potencial a usar LSD, quando antes quem usava ácido só queria enlouquecer e se divertir”, ela diz.
Jim Fadiman e as pesquisas na década de 60
Enquanto os hippies colonizavam o Golden State Park, nos anos 1960, Jim Fadiman era parte de um pequeno grupo de pesquisadores que já estavam estudando de que maneira o LSD poderia ajudar as pessoas a se tornarem mais produtivas.
Agora, Fadiman é o arauto das microdoses. Ele criou o regime usado por muitos dos adeptos da microdoses —10 microgramas de LSD a cada três dias—, em seu “Psychedelic Explorer’s Guide”, de 2011. Agora, recebe resultados de pesquisas diárias e relatórios mensais de mais de 1.800 mil usuários de microdoses.
Essas pesquisas são o que temos de mais preciso sobre os efeitos das microdoses de LSD. Fadiman se empolga ao descrever uma longa lista de impactos positivos, incomuns para uma só droga: de eliminar a tendência a procrastinar a facilitar o convívio com dores.
No começo dos anos 1960, ele trabalhava na Fundação Internacional de Estudo Avançado, com Myron Stolaroff, e pesquisava para determinar se o LSD era capaz de ajudar a gerar novas ideias. Stolaroff, engenheiro da Ampex, uma empresa que produzia gravadores, havia descoberto que o LSD aguçava sua inteligência e o tornava mais inventivo. Mas a Ampex se recusou a incorporar o LSD ao seu processo de design de produtos, e por isso ele saiu da empresa e criou a fundação.
Criatividade ampliada
Entre 1961 e 1965, os dois cientistas conduziram experiências envolvendo centenas de cientistas, pesquisadores, engenheiros e arquitetos, para determinar se eles eram capaz de resolver problemas difíceis sob o efeito da droga.
Muitos dos participantes jamais haviam ouvido falar de drogas psicodélicas. Foram informados de que havia a chance de “criatividade ampliada”, e que o uso era completamente seguro. Eles eram convidados a tomar doses plenas de LSD pela manhã, e em seguida se deitavam e ouviam música.
“Um arquiteto contou que se conduziu em uma turnê mental de arquitetura. Visitou as pirâmides, a Grande Muralha da China, a Torre Eiffel… ele pôde viajar e contemplar as coisas mais nitidamente do que imaginava possível”, diz Fadiman. De tarde, começava o trabalho. “Quando chegou a hora de tocar seu projeto, que era um pequeno shopping center, ele disse que estava muito, muito empolgado com a arquitetura”.
Depois de decepcionar seu cliente durante meses, o arquiteto teve uma visão tão completa do projeto que foi capaz de calcular o número de vagas de estacionamento e o tamanho dos tarugos que fixariam as vigas, reporta Fadiman. E quando ele colocou o projeto no papel, o cliente enfim aprovou.
Em outros casos, um cientista escreveu um estudo teórico sobre fótons, e um projetista de circuitos para semicondutores disse ser capaz de visualizar a placa de circuito em sua mente, e ver a eletricidade que a percorria, para determinar o que havia de errado em seus planos.
Ilegalidade
A Fundação Internacional de Estudo Avançado fechou as portas quando o consumo de LSD se tornou ilegal na Califórnia, em 1966, o mesmo ano em que o governo estadual proibiu a fabricação e venda da substância. Dois anos depois, o governo federal dos Estados Unidos também proibiu o LSD.
John Markoff, antigo correspondente de tecnologia do “New York Times”, escreveu sobre as experiências iniciais com LSD em “What the Dormouse Said”, seu livro sobre o elo entre a contracultura dos anos 60 e a indústria dos computadores pessoais. Ele encara a história com ceticismo, e não acredita que o LSD fosse uma “pílula mágica” que tenha tornado a era criativa.
Em lugar disso, acredita que a criatividade se devesse a “viver à beira do caos” dos anos 1960. O Vale do Silício atual está muito longe de qualquer abismo, e ele acredita que já não seja capaz de realizar saltos criativos como os que deu ao criar os blocos básicos da computação. “As coisas são bem chochas hoje”, diz Markoff.
Se o setor de tecnologia sente a necessidade de algo que estimule a criatividade, o que se pode dizer sobre os setores cujos negócios estão sendo desordenados pela tecnologia? Será que os profissionais das finanças poderiam recorrer ao LSD para recuperar o terreno perdido?
E os riscos?
A DrugWise, uma organização sem fins lucrativos britânica que oferece consultoria sobre drogas, diz que não existem provas de overdose de LSD. O avanço mais significativo para a compreensão da substância veio do primeiro estudo por ressonância magnética sobre cérebros de pessoas que estavam sob o efeito do ácido.
O estudo foi comandado pelo professor David Nutt, do Imperial College de Londres, que foi demitido de seu posto como consultor do governo britânico, em 2009, por discordar da política oficial de classificação de drogas.
Foi constatado que o LSD torna o cérebro muito mais conectado e flexível, e que o córtex visual se conecta a todas as partes do cérebro. O estudo também mostrou que o fluxo de sangue para “o modo rotineiro de rede” se reduz, o que significa menos atividade na área ativada quando a mente está vagando, sem tarefa, e a pessoa pensa sobre si mesma e seu estado emocional.
Barbara Sahakian, professora de neurociência na Universidade de Cambridge, diz que existem indícios que sustentam a asserção dos adeptos das microdoses quanto ao efeito do LSD sobre a criatividade.
“O LSD em baixa dosagem melhora o humor e a criatividade, primariamente ao imitar os efeitos da serotonina, o composto químico cerebral que regula o nosso humor”, diz ela. E seu uso também eleva o nível de glutamatos, que melhora o aprendizado e a memória.
As “drogas inteligentes”
Sahakian estuda o impacto das chamadas “drogas inteligentes”, como o Modafinil, usado na melhoria de desempenho, e se preocupa por as pessoas estarem recorrendo cada vez mais a drogas para melhorar seu desempenho, dê preferência a estímulos naturais como o exercício. “Qual é a pressão que leva todo mundo a precisar fazer algo assim? As pessoas estão preocupadas com perder seus empregos, preocupadas com a concorrência”, ela diz.
A cultura do Vale do Silício encoraja a experimentação, mesmo que isso ultrapasse as fronteiras da lei. Os libertários veem o processo como parte de sua busca por liberdade cognitiva. As empresas mais bem sucedidas, como o Airbnb e a Uber, estão sempre em confronto com as autoridades regulatórias. A sensação no Vale do Silício é de que a regulamentação terá de mudar.
Mesmo que o Vale do Silício torne o LSD culturalmente aceitável, é duvidoso que o presidente Donald Trump, com sua base conservadora, legalize a droga. Como no caso da maconha, pode caber aos Estados promover a legalização, e outros países podem seguir o exemplo de Portugal, onde o uso de drogas não é mais crime.
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