“Se ligue, sintonize e caia fora” A famosa frase de Timothy Leary ainda influencia nossa visão sobre as substâncias psicodélicas ou alucinógenas. Podemos associar os psicodélicos com os excessos da contracultura dos anos 60, e com a estática visão “linha reta” da sociedade, inundada com a cultura do medo e mal-entendidos intencionais.”
O psicólogo William A. Richards quer mudar isso.
Richard passou maior parte da sua carreira pesquisando tais substâncias -que, em linha com uma literatura estabelecida, ele prefere chamar de “enteógenos” – e seus usos terapêuticos.
Sacred Knowledge: Psychedelics and Religious Experience não é apenas um somatório de sua obra – que facilmente mistura os resultados de pesquisas científicas, estudos de casos, anotações e comentários interpretativos – mas sim uma apologia para o uso de enteógenos em ambientes controlados.
Richard com certeza não está só
A investigação sobre o uso médico e psicológico e o valor dos psicodélicos já teve seu início, mas parou na década de 1970.
Há muitas razões para isso, mas a inclusão de vários psicodélicos no Ato de Controle de Substâncias de 1970 sob Anexo 1 certamente não ajudou.
No entanto, a investigação tem tido um pequeno aumento desse o final dos anos 90, com inúmeras instituições de renome realizando ensaios clínicos com sucesso.
Tais pesquisas permanecem fora do mainstream, mas nos últimos anos tem recebido uma quantidade razoável de cobertura na mídia popular.
Os benefícios dos psicodélicos
É difícil não ser convencido pelos argumentos de Richard. Consistente com outros estudos, ele discute o benefícios do tratamento enteogênico para uma série de doenças, incluindo dependência, depressão, ansiedade, dores crônicas, e sintomas psicossomáticos associados a doenças e traumas.
Os benefícios, além disso, não são apenas físicos (no sentido de que tomar alguns ibuprofenos aliviam dores), mas psicológicos e também religiosos.
Na verdade, na opinião de Richard, é o potencial dos psicodélicos em abrir a mente para uma dimensão mística ou religiosa da existência humana que fazem deles um medicamento eficaz.
Ele é largamente desconsiderado na tentativa de entender experiências e tradições religiosas em termos de linguística, social e cultural e, por isso, tende a desabar o estudo da religião em teologia.
Esse ponto persiste durante o livro, mas é clareado quando ele discute as “Fronteiras Psicodélicas na Religião”, isto é, como os entomógenos podem nos levar a ter um “entendimento melhor da ‘Mente de Deus’ e os mistérios de nosso próprio ser”.
Na verdade, o próprio uso do termo “enteógeno” que literalmente significa “ Gerar Deus dentro de si” dá margens até este viés em direção a unicidade da experiência religiosa.
Tal visão leva Richard a uma quebra de distinção entre tradições religiosas, como um meio de comparar os efeitos dos enteógenos com o “sagrado”.
Com uma menção a Aldous Huxley, ele favorece, como ele mesmo diz logo no início do livro, uma “visão perenialista” da experiência religiosa, uma vez que este é o lugar para onde a evidência o leva.
Afirmações como a seguinte são feitas no contexto de discutir como as substâncias psicodélicas podem produzir uma experiência de “consciência mística”, e ajudam a preencher seu relato:
“Todas as grandes religiões do mundo tem palavras que apontam em direção a esse estado altamente desejado e valorizado, como o Samadhi no Hinduísmo, Nirvana no Budismo, SekhelMufla no Judaísmo, a visão beatífica no Cristianismo, BaqáWaFaná no Islamismo, e Wu Wei no Taoismo.”
A primeira experiência de Richard
Como Richard relata, sua primeira experiência pessoal com psicodélicos, que ele relata no Prefácio, ocorreu enquanto ele era um estudante graduado em Teologia e Psiquiatria na Universidade de Göttigen em 1960.
Enxergando sua própria mente como um “laboratório psicológico”, ele se voluntariou para participar de uma pesquisa sobre o estudo dos efeitos da psilocibina, o ingrediente ativo de vários cogumelos psicoativos.
Ao receber sua primeira dose, ele teve uma experiência de perder sua “identidade usual” e “um brilho eterno de consciência mística”.
É importante ressaltar, no entanto, que aquela experiência não veio do nada.
Por sua própria vontade, ele adentrou preparado no terreno da substância .
“Com base na piedade de minha criação Metodista” ele disse, “Eu silenciosamente afirmo a confiança de que Deus estaria comigo perante qualquer dificuldade em trazer de volta memórias da minha infância”
A pergunta persistente que eu tenho então é a dimensão do entendimento de Richard sobre o valor dos psicodélicos, incluindo o que eles fazem e como eles funcionam perante um entendimento particular da religião. Eu não acho que ele iria se recusar a responder tal pergunta.
Embora Richards esteja ciente de que tais experiências podem ser interpretadas de formas diferentes, ele antecipa que seus entendimentos, e as categorias que ele usa para descrevê-los, se resumem a uma “escolha pessoal” em acreditar “na validade da consciência mística”.
Ao dizer isso, meu ponto não é necessariamente em lançar dúvidas sobre o trabalho de Richard. Eu estou extremamente convencido no valor terapêutico dos psicodélicos, e eu concordo com Richard de que os estudiosos da religião (e muitos teólogos) geralmente são muito céticos quando se trata de seu “objeto” de estudo, e no processo falham em ver a floresta proverbial para as árvores.
Uma das coisas que Richard realiza então é em relembrar-nos a importância de estar aberto para experiências inesperadas, mesmo – ou talvez especialmente – quando elas são despertadas por psicodélicos ou qualquer número de outros materiais estranhos.
No entanto, seu entendimento sobre religião tem limitações significativas, não apenas no que se assume sobre a “religião”, mas também no que ele ignora, ou não pode dar conta.
Ao longo de “Sacred Knowledge”, por exemplo, Richard tende a minimizar as experiências negativas dos psicodélicos.
Para colocá-lo em termos de sua própria estrutura, ele tende a encobrir o que Rudolf Otto chama de “mysterium tremendum” , concebendo a realidade de que os enteógenos fornecem acesso em última análise como fascinans, isto é, misericordioso e piedoso.
Na verdade, as condições nas quais os pesquisadores e profissionais da saúde administram psicodélicos dentro de um ambiente clínico suportam essa elisão: um grande cuidado é tomado para assegurar uma experiência positiva.
Esta elisão, além disso, se encaixa com a sua tendência a igualar experiências autênticas de “consciência mística” com a produção de resultados psicológicos e morais.
No âmbito do trabalho de Richard, os estados de consciência que os psicodélicos fornecem acesso devem levar a uma espécie de conversão no indivíduo.
Em vários pontos ele concebe os benefícios do uso “sábio” dos psicodélicos nos mais diversos termos cristão de pecado e salvação.
” … Não há práticas religiosas puras ou estados primordiais da consciência como tal, que Richards se refere como a mística. “
Tais limitações podem fazer bem para a medicina, é claro, mas determinar o que vem primeiro é como decidir em ambos o ovo ou a galinha: é melhor para ver o quadro e como as substâncias envolvidas se reforçam mutuamente.
Dito isto, apesar de eu ter problemas com a maneira putativa em que Richards articula as dimensões religiosas de uma experiência psicodélica, eu ainda acho que é possível levar o último a sério, caso ele adote uma visão diferente de trabalho.
Considere por um momento, uma sessão normal de psilocibina em um ambiente de pesquisa contemporânea.
O participante, que foi analisado com antecedência de acordo com protocolos rigorosos, recebe uma dose de psilocibina sintética através de injeção.
O participante então passa por sua experiência em um ambiente clínico, mas confortável.
Assim, ele se deita em um sofá, geralmente usando uma máscara nos olhos, e escuta uma trilha sonora musical pré selecionada para a duração da experiência.
Este tipo de controle sensorial é um componente importante. Richard diz “Pesquisas com enteógenos tendem a ser conduzidos em espaços interiores, onde o corpo pode descansar em um sofá de forma segura, e a mente pode se ver livre de “cuidar do corpo”.
Isso é muito diferente de uma cerimônia Mazatec tradicional de cogumelo, apesar de tudo.
Embora o resultado de ambos, na superfície podem ser similares, não é o caso quando se aprofunda em ou outro.
Por exemplo, Maria Sabina, – a curandeira Mazateca que se tornou uma espécie de celebridade nos anos 60 entre aqueles que procuravam a iluminação induzida por químicos – foi relatado que a mesma negava aspectos enteogênicos da psilocibina, ou pelo menos os entendiam como secundários.
Como Andy Letcher coloca em seu Shroom: A Cultural History of The Magic Mushroom, “Para achar Deus, Sabina como todo bom católico – ia à missa”.
Além disso, ainda não é claro que a mesma substância está sendo usada. Ao passo que os investigadores contemporâneos utilizam psilocibina sintética para alguém como Sabina, o cogumelo em si é essencial e não podem ser separados a partir de sua composição química. Ela referiu-se aos cogumelos como “os filhos dos santos”.
O meu ponto não é dizer que Richard e outros pesquisadores usam tais substâncias de forma não autêntica, como se eles estivessem apenas se apropriando para seus próprios propósitos, tais práticas tradicionais.
E é importante dizer que não há práticas religiosas puras ou estados primordiais de consciência as quais Richard refere como “O místico”.
O uso de psicodélicos de Richard em um ambiente clínico, certamente fornece acesso para algo, mas esse “algo” não é necessariamente a mesma coisa sempre que tais compostos são usados. Que Richard os vê em termos religiosos prova o ponto, se nós levarmos a sério as declarações de Sabina.
Os estados de consciência alcançados através do uso de psicodélicos então, não necessariamente pré-existem a experiência, mas são, ao invés disso, produzidas nisto.
Psicodélicos, nesse sentido, não são tanto de revelação como são componentes de um conjunto: o que eles significam e fazem variam dependendo de outras tecnologias, objetos e práticas que eles são colocados em relação.
Novamente, isso não elimina os efeitos muito reais dos psicodélicos em ambientes clínicos.
É só levar a sério a especificidade desse ambiente: a clínica não é uma aldeia remota no México.
Ao fazê-lo, eu sugiro, iria complicar a nossa compreensão dos psicodélicos e da maneira que eles interagem com ambientes diferentes.
Acrescentando, isso iria complicar também nosso entendimento de religião. Estudiosos de religião por algum tempo tem questionado vários pressupostos que sustentam a noção de “religião”, mostrando como isso, como quase tudo, é um produto complexo de várias negociações culturais, sociais, políticas, psicológicas e econômicas.
A tradução dos efeitos das substâncias psicodélicas em termos religiosos, médicos e psicológicos como vemos no “Sacred Knowledge”, mostra a produção de religião em ação. E Richard nos mostra isso no mais improvável dos lugares – a clínica de pesquisa.
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