Avançam os estudos a respeito do uso de cogumelos no tratamento de transtornos e melhora da saúde mental
Sobre cogumelos e saúde mental, Carta Capital: O campo da saúde mental tem avançado a passos lentos nas últimas décadas na melhora das técnicas psicoterapêuticas e das drogas psiquiátricas.
Apesar disso, um novo ânimo tem surgido de um campo particular de pesquisa: o uso de drogas psicodélicas, utilizadas na psicoterapia, para o tratamento de transtornos mentais.
Desde a proibição de diversos psicodélicos na década de 1970, tornou-se difícil, para a maioria de nós, vislumbrar o uso destas substâncias (LSD, ayahuasca, cogumelos mágicos etc.) para a melhora dos estados mentais e do tratamento de doenças. Um vasto campo da pesquisa científica, entretanto, tem analisado o assunto de forma distinta.
O psiquiatra David Nutt conversou com os dois últimos presidentes da Associação de Psiquiatria dos Estados Unidos (Liberman e Summergrad), o último presidente do Colégio European College of Neuropsychopharmacology (Goodwin), além de outros importantes nomes do EUA e Inglaterra no controle das drogas e regulação sanitária.
Todos falaram o mesmo: “É tempo de levar os tratamentos com psicodélicos a sério na psiquiatria e na oncologia, como nós fizemos nos anos de 1950 e 1960, o que significa que nós precisamos ir de volta ao futuro”.
Uma das substâncias que tem gerado grande ânimo neste trabalho é a psilocibina. A psilocibina, 4-fosforiloxi-N,N-DMT, é o princípio ativo encontrado nos assim chamados cogumelos mágicos, como o Psilocybe cubensis.
No nosso organismo ela rapidamente é metabolizada em psilocina, a principal responsável por seus efeitos psicodélicos, isto é, que promovem a alteração geral de funções cognitivas como a atenção, o pensamento, o sentimento, a sensopercepção, a memória e a volição. Trata-se de uma substância com baixa toxicidade e baixo potencial de dependência. Seus riscos são predominantemente psicológicos.
O retorno das pesquisas com psicodélicos
No retorno das pesquisas com psicodélicos, Griffiths, Johnson e Maclean, observaram que a experiência com psilocibina produz uma mudança na personalidade nos usuários. Os pesquisadores sabiam, a partir de pesquisas das décadas de 1960 e 70, que administrada em condições de suporte, 50 a 80% dos participantes reivindicavam mudanças benéficas na personalidade, valores, atitudes e comportamentos.
Para Griffiths e outros, a experiência positiva da psilocibina, para um impacto de longo termo, depende da profundidade dos insights e de experiências “tipo-místicas” que a substância costuma induzir.
Os temas centrais da experiência mística são: sentimentos de unidade e interconexão com todos os indivíduos e coisas. Um senso de sagrado, sentimentos de paz e alegria, sensação de transcender o tempo e o espaço normais, inefabilidade, e uma crença intuitiva de que a experiência é a fonte de verdade objetiva sobre a natureza da realidade.
Carhart-Harris e outros publicaram, na prestigiosa revista The Lancet, uma pesquisa com o uso de psilocibina, com suporte psicológico, no tratamento de depressão refratária a outras terapias. Foram 12 participantes da pesquisa com depressão de moderada à severa. Os participantes receberam duas doses orais de psilocibina (10mg e 25mg) com uma diferença de sete dias para cada dose.
Teste com suporte psicológico
O suporte psicológico foi fornecido antes, durante e após cada uma das sessões. A avaliação do humor foi realizada de uma semana a três meses após o tratamento. Não ocorreram efeitos adversos graves, todos os participantes (100%) tiveram algum nível de melhora no escores de depressão e a taxa de resposta significativa à psilocibina foi de 67% (n=8) em uma semana de tratamento.
Daqueles que obtiveram resposta significativa, sete encontraram critérios de remissão dos sintomas, isto é, não se encontravam mais com diagnóstico de transtorno depressivo. No acompanhamento (follow up), mais da metade dos participantes (58%) mantiveram sua resposta clínica por três meses e 42% mantiveram a remissão dos sintomas.
Redução de escore depressivo
Em uma segunda pesquisa , que ampliou o número de participantes avaliados e o tempo de avaliação para seis meses, foi mantida a observação de que todos os participantes tiveram redução de escore depressivo.
Muitos pesquisadores têm utilizado a psilocibina na psicoterapia para tratar sintomas de ansiedade e depressão no cuidado paliativo, isto é, nas formas de cuidar dos pacientes com doenças terminais. Até 2017 o total de 92 pacientes haviam sido acompanhados em pesquisas clinicas com psilocibina em cuidado paliativo.
Em uma pesquisa robusta, os sintomas de ansiedade e depressão se reduziram de forma significativa. Aproximadamente 80% dos participantes apresentam os benefícios seis meses após as sessões e 60% não apresentavam critério de transtorno depressivo ou de ansiedade.
No estudo do psiquiatra Charles Grob, da Universidade da Califórnia, seu foco recaiu no cuidado sobre a importância do sentido na preparação para a morte.
Enquanto muitas vezes é possível ampliar a vida de quem sofre com doenças terminais por meio de equipamentos e técnicas médicas. Por outro lado, em alguns estados da doença não se preconiza um alívio satisfatório ou tampouco formas de sustentar uma boa qualidade de vida.
Muitos são os pacientes que apresentam quadros de ansiedade e depressão e o melhor que oferecemos são drogas analgésicas.
Com tantas pesquisas em curso, os resultados não deveriam nos surpreender. Antes da proibição dos psicodélicos, o psiquiatra tcheco Stanislav Grof havia apresentado resultados de, aproximadamente, 70% de melhora no estado de saúde mental em pacientes com doenças terminais.
Como a psilocibina funciona no tratamento ao TOC
Outra área que a psicoterapia aliada a psilocibina é promissora é a do tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo. O TOC é um transtorno crônico e pode ser significativamente debilitante. Sua prevalência populacional é de cerca de 2% a 3%.
Muitos pacientes com TOC apresentam, ao longo da vida, comorbidade depressiva. Os sintomas obsessivos caracterizam-se como pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que são experimentados como intrusivos e não desejados.
A compulsão refere-se a comportamentos repetitivos (p.ex., lavar as mãos, organizar, verificar) que o indivíduo se sente impelido a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras rigidamente aplicadas (DSM-V, 2014).
Desde o início do século avolumam-se relatos de melhora dos sintomas do TOC após o uso de psicodélicos que atuam nos neuroreceptores serotoninérgicos (como o LSD e a psilocibina). Alguns relatos sugerem que a remissão dos sintomas do TOC chegam a ocorrer por vários meses após o uso da substância.
Parece fundamental apresentar alternativas terapêuticas para quem vive com TOC, na medida em que a principal forma de tratamento, o uso de antidepressivos ISRS, apresenta de 30% a 50% de redução dos sintomas.
Os resultados do tratamento
Em um estudo com psicoterapia aliada ao uso de psilocibina, realizado com nove participantes, todos apresentaram algum grau de redução dos sintomas. Quase 90% apresentaram ao menos 25% de redução dos sintomas e 66,7% mantiveram mais do que 50% da redução dos sintomas 24 horas após o uso. O estudo foi limitado a um período curto de avaliação e novos estudos serão necessários.
Ao ler estes e muitos outros campos de pesquisa com a psilocibina, é possível afirmar que se trata de uma nova retomada em um antigo campo de investigação.
Estamos diante de uma possível mudança profunda de paradigma na psicologia e na psiquiatria, aliando a psicoterapia e o uso de psicofármacos, não mais para calar os sintomas, mas para promover um mergulho interior.
Resultados animadores
Os resultados com o uso de psilocibina em psicoterapia são animadores. Se não formos varridos por um conservadorismo non sense, mesmo no Brasil poderemos esperar o surgimento, na próxima década, de estabelecimentos de medicina e psicologia psicodélica capacitados para contribuírem para a melhora da nossa saúde mental.
*Fernando Beserra é psicólogo do Instituto Federal do Rio de Janeiro e professor de psicologia na UVA e no ISERJ. Mestre e doutorando em psicologia clínica pela PUC-SP e membro-fundador da Associação Psicodélica do Brasil
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